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Elisaldo Carlini se foi, mas seu legado sobre cannabis está vivo

Written by Barbara Arranz | Aug 3, 2023 10:50:05 PM

Elisaldo Carlini, referência nacional em estudos sobre cannabis medicinal, nos deixou nesta quarta-feira (16), aos 90 anos. Em atividade desde a década de 50, Carlini fez importantes estudos sobre o uso da cannabis para fins medicinais e seus efeitos no organismo humano.

Desde a década de 90, Elisaldo Carlini era diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), instituição que tem papel fundamental na desmistificação do uso de maconha medicinal. Além de diretor do Centro, Carlini era também professor emérito da Unifesp, pesquisador emérito do Cnpq e um dos difusores da especialização em Psicofarmacologia no Brasil.

A seguir, você vai conhecer um pouco mais sobre a trajetória desse grande homem e entender porque a morte de Carlini é uma perda muito grande para a comunidade científica não só brasileira, mas também internacional.

Elisaldo Carlini: seis décadas de dedicação à ciência

Pouco tempo depois de ingressar na faculdade de Medicina da Unifesp, na década de 50, Carlini foi aluno do professor José Ribeiro do Valle – uma referência nos estudos da cannabis no Brasil. Veio daí sua maior influência para estudar a planta e outras substâncias “ilícitas” mas que poderiam ter propriedades medicinais. 

“Quando estudamos a história da maconha, é fácil ver que na proibição de seu uso médico não há nada de científico, e sim de ideológico. Até o início do século XX a maconha era considerada um excelente medicamento. Só dos anos 1930 em diante, a maconha virou uma droga maldita”, explicou Carlini em entrevista à Fapesp.

Logo após se formar na Unifesp, o médico novato viajou para os Estados Unidos onde fez mestrado em Psicofarmacologia em Yale, uma das melhores universidades do mundo. Na época, essa especialização ainda não existia no Brasil e Carlini é apontado como um dos difusores da área no país.

Levando consigo os ensinamentos do professor José Ribeiro do Valle, mais sua curiosidade e toda a bagagem de conhecimento que obteve na Unifesp e em Yale, Elisaldo Carlini passou a dedicar sua carreira aos estudos da cannabis e de outras substâncias ditas como “drogas” e como elas agiam no organismo.

Sempre conectado à comunidade científica internacional, Carlini e sua equipe publicaram mais de 40 trabalhos em renomadas revistas científicas internacionais ao longo das décadas de 1970 e 1980. Algumas dessas revistas foram: British Journal of Pharmacology, Journal of Pharmacy and Pharmacology e European Journal of Pharmacology. 

Os estudos de Carlini são reconhecidos internacionalmente como fundamentais para que a comunidade científica fizesse diversos avanços no que diz respeito ao uso da cannabis para fins medicinais. As pesquisas de Carlini em parceria com o renomado cientista israelense Raphael Mechoulam contribuíram para ajudar a desenvolver medicamentos à base de cannabis que ajudavam a controlar náuseas, mal-estar e outros sintomas em pacientes com HIV. Suas pesquisas em parceria com Mechoulam também ajudaram a descobrir o poder do óleo de cannabis no controle de convulsões, avanço que é celebrado até hoje por milhares de pacientes que fazem uso do óleo.

Em meados da década de 90, Elisaldo Carlini criou o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), instituição da qual foi diretor até seu falecimento. O Cebrid é referência no trabalho de desmistificar o uso medicinal da maconha e outras drogas por pacientes que enfrentam uma série de condições. O acervo do Centro conta com mais de 4 mil artigos científicos sobre temas relacionados à cannabis medicinal e outras drogas psicotrópicas. 

Legado e inspiração

O trabalho do Dr. Elisaldo Carlini é referência para muitos cientistas e profissionais da saúde que estudam tanto a cannabis quanto outras drogas psicoativas. Ainda em vida, o legado de Carlini foi celebrado pelo renomado jornal americano The New York Times, que ressaltou a importância do trabalho do médico nos estudos da cannabis medicinal a nível global. 

Logo após a divulgação da notícia do falecimento de Carlini, a equipe do Cebrid divulgou uma nota de pesar, ressaltando que o legado do médico ecoará para as futuras gerações. “A memória do professor, hoje símbolo da pesquisa canábica no Brasil, permanecerá viva e sua herança científica norteando nossa ciência brasileira. Infelizmente não há como dimensionar a quantidade de pessoas ajudadas por seus esforços; não só como pesquisador, mas também como amigo”, diz o texto.

Eu, Bárbara Arranz, tive meu primeiro contato com a obra de Elisaldo Carlini ainda na época da faculdade. Tinha acabado de descobrir o potencial da cannabis para o tratamento de uma série de doenças e lembro até hoje do quão gratificante foi perceber que Carlini já vinha há décadas abrindo caminho para as pesquisas com cannabis medicinal no Brasil, sempre compartilhando seu conhecimento e seus avanços. 

Ainda temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito à democratização da maconha medicinal no Brasil. Mas já demos alguns passos importantes e sem dúvidas eles foram possíveis graças aos esforços e ao pioneirismo de pessoas como Elisaldo Carlini, que sempre se colocaram na pele de outras pessoas e não deixaram o preconceito falar mais alto.

Não posso encerrar essa homenagem ao grande Elisaldo Carlini sem replicar as palavras que ele disse em um entrevista à Unifesp. Nos dias de hoje, com todas as dificuldades que os pesquisadores brasileiros vêm enfrentando, essas palavras nunca foram tão atuais. “Luto para que a universidade brasileira e a ciência sejam mais voltadas para a nossa população e feitas com recursos do nosso país, da nossa cultura. A ciência é factível de ser idealizada com a criatividade brasileira para melhorar o país. Aprendemos coisas novas a todo momento e em todo lugar, e temos muito potencial”.

Eu, Bá, e milhares de outros cientistas e ativistas pró-cannabis seguimos lutando para fazer valer o legado de Elisaldo Carlini e buscando levar a maconha medicinal e a ciência para mais perto da população que realmente precisa. Saúde é um direito de todos.

A Elisaldo Carlini deixo o meu muito obrigado, como cientista e como admiradora.