Cannabis Medicinal e Câncer Metastático
Nos últimos anos, o papel dos canabinóides, compostos encontrados na planta Cannabis sativa, no tratamento do câncer tem sido objeto de investigação intensiva. Estudos têm revelado a presença de recetores canabinóides específicos, CB1 e CB2, em várias células cancerosas, levando a especulações sobre o potencial terapêutico desses compostos no combate ao câncer. Este artigo examina detalhadamente os efeitos dos canabinóides, com foco especial no cannabidiol (CBD), em diferentes tipos de câncer. Exploraremos as descobertas científicas que revelam as interações dos canabinóides com os recetores celulares, os mecanismos moleculares subjacentes ao seu efeito antitumoral e os desafios associados ao seu uso clínico. Ao analisar as pesquisas mais recentes, esta revisão oferece uma visão abrangente sobre o potencial terapêutico dos canabinóides, destacando o CBD, no tratamento do câncer e aponta para as direções futuras na investigação e aplicação clínica dessas substâncias promissoras.
A utilização de extrato proveniente da planta Cannabis sativa como medicamento à base de plantas tem uma história que remonta a 500 a.C. na Ásia. A descoberta do Sistema Endocanabinóide humano ocorreu após a identificação dos recetores canabinóides. Inicialmente, acredita-se que os canabinóides produzissem os seus efeitos fisiológicos através de interações não específicas com a membrana celular. Contudo, pesquisas com modelos de ratos no final da década de 1980 levaram à identificação e caracterização dos recetores canabinóides específicos, CB1 e CB2. O recetor CB1 está presente em todo o sistema nervoso central (SNC), enquanto o recetor CB2 é predominantemente encontrado no sistema imunológico e nas células hematopoiéticas. Após a descoberta de CB1 e CB2, seus ligantes endógenos, ou endocanabinóides, foram identificados, incluindo 2-araquidonilglicerol (2-AG) e N-araquidonoiletanolamina (AEA, também conhecida como anandamida). Tanto CB1 quanto CB2 pertencem a uma grande família de proteínas transmembrana chamadas receptores acoplados à proteína G (GPCRs), sendo responsáveis pela maioria dos efeitos fisiológicos dos endocanabinóides. Ambos os recetores estão acoplados à Gαi/o, que pode inibir a adenilil ciclase (AC). Além disso, CB1 também pode estar acoplado a Gα q/11 e Gα 12/13, enquanto CB2 também demonstrou atuar através de Gαs. Para uma compreensão mais aprofundada dos efeitos downstream dos endocanabinóides e seus recetores em condições fisiológicas, remetemos a outras revisões especializadas sobre o assunto.
Na planta Cannabis sativa, existem vários canabinóides, sendo o Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e o CBD (cannabidiol) os mais conhecidos. Δ9-THC é considerado o canabinóide psicoativo e muitos de seus efeitos psicoativos são atribuídos à sua interação com o recetor CB1, enquanto suas propriedades imunomoduladoras provavelmente se devem à sua interação com o recetor CB2. Em contraste, o CBD não tem efeitos psicoativos significativos e tem uma afinidade relativamente baixa tanto com CB1 quanto com CB2.
O potencial terapêutico dos canabinóides no tratamento do câncer tem sido objeto de intenso interesse. Estudos revelaram que tanto CB1 quanto CB2 são expressos em vários tipos de câncer, muitas vezes ausentes no tecido original antes da transformação neoplásica. O papel do Sistema Endocanabinóide na neoplasia foi corroborado quando se descobriu que CB1 tem uma função supressora de tumor em modelos de câncer de cólon de camundongos geneticamente modificados. Além disso, CB1 e CB2 foram encontrados superexpressos em diversos tipos de câncer, incluindo câncer de mama HER2+ e gliomas. Foi observado que a superexpressão de CB1 e CB2 está correlacionada com mau prognóstico no carcinoma colorretal em estágio IV.
Canabinóides, incluindo Δ9-THC e CBD, foram estudados em modelos in vitro e in vivo de vários tipos de câncer, como glioma, mama, pâncreas, próstata, carcinoma colorretal e linfoma. Estudos indicaram que esses compostos podem inibir a síntese de DNA, induzir apoptose, e inibir a neovascularização, migração, adesão, invasão e metástase de células cancerosas. Embora os canabinóides mostrem atividade antitumoral, seu uso clínico é limitado devido aos efeitos psicoativos associados, principalmente com o Δ9-THC.
O CBD, apesar de ter afinidade relativamente baixa tanto com CB1 quanto com CB2, pode atuar como um antagonista do CB1 em camundongos e tecidos cerebrais in vitro. Além disso, há evidências sugerindo que o CBD pode atuar como um agonista inverso do CB2 humano. O CBD também interage com outros recetores celulares, incluindo TRPVs, 5-HT1A, GPR55 e PPARγ. Estudos indicam que o CBD possui efeitos antiproliferativos e pró-apoptóticos robustos, além de inibir a migração, invasão e metástase de células cancerosas. O mecanismo antitumoral do CBD parece depender da sua regulação do estresse oxidativo, estresse do retículo endoplasmático e modulação do sistema imunológico. Esta revisão detalhará os efeitos antitumorais do CBD em diversos tipos de câncer e discutirá os mecanismos moleculares subjacentes a esses efeitos.