Quando você imagina um ativista que luta pela cannabis medicinal , dificilmente vai imaginar a figura de um padre. De fato, igreja e maconha geralmente ficam em lados opostos quando o assunto é cannabis. Mas Padre Ticão era diferente. Religioso, mas também aberto a entender e defender aquilo que acredita que fosse trazer o bem às pessoas.
É justamente essa dicotomia que faz de Padre Ticão, falecido semana passada, uma figura tão interessante e importante. Abertamente defensor da cannabis medicinal, o Padre lutou para trazer visibilidade à causa.
Padre Ticão faleceu de parada cardíaca
Antônio Luís Marchioni, o Padre Ticão, faleceu aos 68 anos no último dia 1º de janeiro. Estava internado e sofreu uma parada cardíaca. Sacerdote há 42 anos, o religioso era pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, um bairro carente na zona leste de São Paulo.
Ativista pró cannabis medicinal e defensor do acesso à saúde, Padre Ticão era um líder ativo na comunidade. Foi um dos responsáveis pela construção do Hospital Municipal Ermelino Matarazzo, além de lutar pelo funcionamento de postos de saúde na região.
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, lamentou publicamente a morte de Padre Ticão. O deputado federal Paulo Teixeira, que é presidente da Comissão Especial sobre Medicamentos Formulados com Cannabis da Câmara, também prestou homenagem ao pároco:
“Padre Ticão era chamado o ‘Trator de Deus’ por Dom Angélico Sandalo Bernardino, antigo Bispo da Zona Leste. Mais recentemente ele estava voltado para difundir os saberes da medicina tradicional e da fitoterapia. Entre tantos cursos que promoveu, ele difundiu para todo Brasil o uso terapêutico da cannabis medicinal”, escreveu em uma rede social.
Ao longo de sua vida, Padre Ticão foi adorado por muitos, mas também despertou a ira de católicos conservadores. Abertamente a favor do debate sobre aborto legal e defensor do uso da maconha medicinal, pautas espinhosas para a igreja católica, o Padre não tinha medo de se posicionar publicamente pelo que defendia.
Padre Ticão e a cannabis medicinal: uma luta que ajudou muitas pessoas
Aberto ao tema cannabis medicinal há mais de uma década, Padre Ticão estudou o assunto e percebeu que a planta poderia transformar a vida de milhões de pessoas que sofrem de doenças crônicas. Destinado a levar informação ao máximo de pessoas que conseguisse, o Padre fundou um curso em 12 de março de 2019 para orientar as pessoas sobre o uso da maconha medicinal.
O primeiro dia de aula da primeira turma contou com inacreditáveis 520 presentes! O curso do Padre Ticão sobre cannabis medicinal é realizado com o apoio da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ministrados no salão paroquial em Ermelino Matarazzo, os encontros contam com aulas dadas por nomes diretamente relacionados à causa da cannabis, como o neurocientista Renato Filev, o psiquiatra Remo Rotella e o advogado Emílio Figueiredo.
O curso é semestral, gratuito e, na última edição, reuniu cerca de 200 alunos! Por causa da pandemia, o curso sobre cannabis medicinal passou a ser online – o que abriu a possibilidade para que pessoas de todo o país pudessem participar.
“Quem tem muito dinheiro está indo fazer tratamento em Colorado, na Califórnia, Portugal. Não é justo que os pobres, os trabalhadores que têm esses problemas de dores, paguem o preço da não legalização e de não ter o acesso”, explicou o Padre.
Crítico da indústria farmacêutica
Padre Ticão defendia o acesso das pessoas a um direito universal: acesso a saúde. Abertamente crítico à indústria farmacêutica, o Padre sempre defendeu o protagonismo das pessoas na busca por seu próprio bem-estar. Coisa que, na visão dele, a indústria farmacêutica atrapalha.
“A cannabis é fantástica. Serve para tratar várias doenças, e isso está provado no mundo todo. No Brasil só é crime porque os grandes grupos querem ter o monopólio disso. Quando legalizar a maconha, eles já terão todo o know-how”, disse o religioso em entrevista à Rede Brasil Atual.
Ticão era defensor da medicina popular e fitoterápica, além do uso de plantas medicinais nos tratamentos. Daí a simpatia do pároco pela cannabis medicinal .
“A maconha já é usada há quase 5000 anos! A raiz da palavra maconha quer dizer erva santa. Então, a maconha sempre foi considerada uma erva altamente medicinal. Foi a história quem trouxe a demonização e os preconceitos. Mas a planta não tem nenhuma culpa!”, explicou o Padre Ticão em declaração ao Sechat.
Confira abaixo a declaração completa dada pelo Padre Ticão ao Sechat, uma das últimas em vídeo dadas pelo Padre.
Que o exemplo revolucionário de Padre Ticão siga inspirando mais e mais pessoas a abrirem os olhos sobre a importância e o valor da cannabis medicinal . E que a iniciativa do Padre, de dialogar e de promover o acesso ao conhecimento sirvam de exemplo para muito mais religiosos e outras autoridades.
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